Friday, November 24, 2006

Piratinha

Piratinha nasceu pobre, a mais nova de uma ninhada de gatinhos malhados. Como todo caçula, ela era muito curiosa. Sua mãe bem que dizia pra ela não se afastar dos irmãozinhos, avisava que as pessoas não gostavam de bichinhos xeretas, mas ela não lhe dava ouvidos: queria desbravar o mundo. Tão logo seus olhos se abriram e suas perninhas se tornaram fortes o suficiente para ultrapassar os pequenos obstáculos do caminho, ela saiu a passear pela vila onde morava. Alegremente, ela perseguia o próprio rabo, sem se dar conta dos perigos que a cercavam. Os cães, ao vê-la aproximar-se ainda meio cambaleante, ergueram as orelhas e o focinho, mas não se levantaram do lugar onde tomavam sol: ela era tão pequena e frágil, que eles não quiseram fazer-lhe mal. Piratinha agora observava um besouro colorido, que, voando em torno de sua cabeça, parecia fazer troça de seu instinto de caçadora. Ora brincando, ora parando para uma soneca num cantinho mais sossegado, Piratinha nem viu o dia passar. Mas a tarde caiu, e a pequena, sentindo a barriga vazia, quis logo voltar para junto da mãe. Partiu resoluta, mas assim que esbarrou num grupo de mulheres que sequer perceberam sua existência, ela se deu conta de que estava um pouco assustada. As sombras da noite confundiam tudo, e ela miou com tristeza. Percebendo que a mãe estava longe demais para atender ao seu chamado, Piratinha decidiu procurar um cantinho para passar a noite. Estava assim, enroladinha em si mesma, quando alguém veio acordá-la. Um menino, trazendo no rosto a expressão amarga que só as pessoas que não conheceram amor e conforto conseguem ter, olhava-a com atenção. Piratinha, que nada sabia do coração das pessoas, imaginou que ele pudesse levá-la de volta pra casa. Erguendo-se depressa, começou a miar com insistência. Mas o menino já tirava do bolso uma funda. Intuitivamente, Piratinha ainda tentou fugir, mas a pedra certeira atingiu em cheio um de seus olhos. Seguiu-se a mais longa de todas as noites. Por causa da dor, ela percebeu que não poderia esperar o dia amanhecer para voltar para junto de sua mãe. Andando tão depressa quanto podia, ela trilhou o caminho mais tortuoso que uma gatinha daquele tamanho já ousou percorrer: perdeu-se incontáveis vezes e mil vezes passou pelo mesmo lugar, e nunca desistiu. Por fim, quando o dia já quase amanhecia, ela ouviu o miado carinhoso de sua mãe, que chamava os irmãos para o café-da-manhã. Piratinha correu a seu encontro tão feliz, que esqueceu do olho machucado. A mãe, como fosse uma gata experiente, soube que suas lambidas de nada adiantariam, porque o ferimento era grave demais. Os dias passaram, e o olho estava cada vez pior. Embora não se deixasse abater, Piratinha estava sofrendo muito. Foi por isso que, assim que Amendokrem pegou-a no colo, ela começou a ronronar. De algum modo, em sua pequena alma de gato, ela sentiu que finalmente receberia os cuidados de que precisava. Piratinha acabou perdendo o olho, mas está feliz. Em breve, vai ganhar um lar.

3 comments:

amendokrem said...

Que coisa mais linda...que história! Que triste e belo ao mesmo tempo...Torçamos para que o final da história se concretize...

Nessita! said...

Quero ver uma foto da Piratinha... Deve ser muito fofa :)

Vica said...
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