Friday, November 24, 2006

Tenda da Lua

Este texto eu escrevi há mais ou menos dois anos atrás, bem tarde da noite, assim que cheguei de um encontro do grupo. O trabalho encerrou-se em dezembro daquele ano, também com um encontro de fim-de-semana.
Cheguei agora do que por vício continuo a chamar Tenda da Lua. Pra quem não sabe, eram em tendas da lua que se reuniam as mulheres menstruadas em algumas tribos indígenas norte-americanas. Por definição então, é um espaço reservado às mulheres, referente àquilo que lhes é mais peculiar: o período de sangramento mensal.
Pouco se sabe sobre o que de fato ocorria nos dias em que as mulheres ficavam isoladas do restante da tribo, e o Victor alertou com razão que a segregação é uma evidência de que os valores patriarcais dominavam a cultura nativa. Apesar disso, não posso negar que a versão idealizada dessa história fala mais alto a meu coração.
Disseram-me que o tempo da lua era um momento de introspecção muito respeitado, no qual as mulheres se voltavam para si mesmas e restabeleciam o contato com a terra, da qual reconheciam ser feitas. As índias, ensinaram-me, deixavam que seu sangue escorresse diretamente para a chão, enquanto, livres dos afazeres domésticos e dos cuidados devidos a seus homens e filhos, ocupavam-se com algum trabalho manual. É claro que não conservamos a tradição de sangrarmos juntas, até porque, tendo estilos de vida muito diferentes, é virtualmente impossível fazer com que os estágios de nossos ciclos hormonais coincidam. Dessa tradição, porém, tomamos emprestado o nome e a idéia de encontros periódicos só de mulheres.
Somos um grupo pequeno, a maior parte de nós mulheres mais maduras, que se reúne todo mês pra compartilhar um pouco de suas vidas e experimentar o contato com o sagrado. Não professamos nenhuma religião nem nos intitulamos bruxas ou místicas, mas a manifestação feminina da divindade inspira nosso trabalho. De certo modo, a Tenda lembra grupos como os alcoólicos anônimos, pois também nos organizamos em círculos e ouvimos atentamente umas às outras, mas não é adequado dizer que seja uma espécie de terapia de grupo.
Na verdade, importa pouco o que fazemos nos encontros, pois o que me mantém ligada à Tenda é uma espécie de mágica que se manifesta quando estamos juntas. Os rostos que observo, as histórias alegres e tristes que poderiam ser minhas, a consciência de que as mulheres são capazes sim de estabelecer relações fraternas entre si, isso e algo mais faz com que, a cada mês, assim que tiro meus sapatos para entrar na sala desprovida de móveis, eu renove a sensação de que regresso à minha origem, a meu primeiro lar.
Como adiantei, propriamente já não faço parte da Tenda da Lua. Após quatro anos de encontros mensais, para evitar que o passar do tempo esvaziasse os propósitos originais, tornou-se necessário dar fim ao trabalho. Então, formado por mulheres que desejavam preservar o espaço de convivência, surgiram as Guerreiras da Luz.
O nome é péssimo, eu sei. Confesso que, mesmo sabendo de seu significado, não posso evitar que minhas bochechas corem cada vez que me vejo obrigada a repeti-lo.
O Victor deu boas risadas e disse que somos pretensiosas. Por um lado, devo dizer que ele resumiu a opinião majoritária até entre as mulheres que integram o grupo. Penso, de outro lado, que a escolha não visou a retratar aquilo que acreditamos ser, a não ser de modo bem metafórico.
Nenhuma de nós julga-se guardiã da luz, à moda dos contos-de-fadas. Nossos esforços muito humanos são dedicados ao desenvolvimento de uma certa integridade que se manifeste em cada ato de nossas vidas. Obscuro? É que não é fácil enquadrar no mesmo gênero coisas que vão desde a descoberta da vocação até a prática regular de atividade física. Não, eu não levanto às 5h da manhã nem canto mantras ao entardecer. Nunca, aliás, fui tão preguiçosa. Adianta dizer que também nunca fui tão feliz?

2 comments:

amendokrem said...

Como uma integrante de um destes grupos, mais propriamente a Tenda da Terra, posso dizer que esta experiência, que se encerrará neste fim-de-semana, serviu com um resgate de algo que estava latente, precisando vir à tona: o orgulho de ser mulher e de ser filha da Mãe Terra! Que coisa obscura, né? Entendam como quiserem, só que sei que é muito bom.

Deni Meyer said...

Só digo uma coisa: Se vocês estão felizes...é isso o que importa!!!
bjusssssssssss